7 de fev. de 2012

Da velhice e do corpo

Minha mãe passa férias em casa. Ultimamente só tenho a visto uma vez por ano (no Natal), e a passagem do tempo não me permite enxergar algumas coisas com clareza. Como acontece com um bebê que acaba de nascer e você o vê somente daqui sete, oito meses e se pergunta: será a mesma criança? Ou a trocaram na última visita ao pediatra?

Ela ainda não tem 70 anos. Mas tem a saúde um pouco frágil, e a memória, idem. Sofre de dor nas costas. Demora a percorrer o caminho do apartamento até a praia, e cansa na volta. E a memória...

Ele esquece coisas pela casa. Não lembra onde guardou as pilhas recarregáveis antes de dormir. A panela em cima do fogão. A máquina fotográfica em um canto da prateleira. Eu, que moro sozinha, fico brava achando que ela mexe em tudo de propósito. Ela se magoa, e mistura sua mágoa com seu próprio espanto. Sabe que está esquecida, por causa de remédios e nem só pela idade, mas se assusta.

Eu me assusto também. Que a ficha cai de uma vez no orelhão (quem é do tempo do orelhão sabe do que estou falando), faz um grande barulho e de repente, já caiu e você consegue completar a ligação. É assim com o que se chama de velhice? Não se percebe direito e, quando se vê, num estalo ela caiu, ou você caiu nela?

Minha mãe lembra de um apresentador de televisão que mostrou uma velhinha abordada por um assaltante. A velhinha... tinha 62 anos. Minha mãe, 61. Você não é velha, digo a ela, velha é minha vó, que passou dos 80 e tantos. Passou do prazo de validade ou esqueceu, já está no bônus, é algo assim que minha mãe diz, com ironia. A mágoa se esconde um pouco no sarcasmo, mas pelo menos podemos rir um pouco após o susto.

Quem disse que envelhecer é maravilhoso? Envelhecer é FODA. É assustador. É lembrar que não somos imortais, apesar de vivermos muitas vezes no piloto automático. A qualquer momento a ficha pode cair no orelhão da vida, direto pra surpresa dos que ficam a olhar o seu caixão no velório. Ui... exagerei? Mas é isso mesmo. Por mais que tenhamos religião e acreditamos no pós vida, na reencarnação e no paraíso, a verdade é que quando alguém morre é como a tal da ficha, abrupta, estalando dentro do aparelho de telefonia. E encarar essa verdade nos assombra.

Pelo menos, que se envelheça com dignidade e respeito. Horrível, chamar as velhas de velhas. Não continuamos mulheres? Tive vontade de subir no pescoço do tal apresentador, que também deve ter passado da casa dos 50, e "está se achando"... esqueço que é só ver alguém com cabelos brancos e encurvada e penso a mesma coisa. Velhinhas...

Eu vou tentar. Ter mais paciência, andar mais devagar, não me importar com as coisas que desparecem no apartamento porque minha mãe deixou em algum lugar. Tentar ajudá-la, pensar na saúde, exercícios pra memória e pra ajudar o corpo a se adaptar a essa fase. É só um corpo, melhor se acompanhar a mente.

Agora é ela. Um dia serei eu, você, todos nós.